sábado, 7 de novembro de 2009

SARAMAGO E O LIVRO DE CAIM

Caim é um hino à liberdades dos homens
Alfredo Vieira

Na antiguidade vários livros se destacaram e que nos dias de hoje são de vital importância para a humanidade. Sobre essas obras vários autores clássicos e contemporâneos se debruçaram e continuam a debruçar. Destacam-se as obras atribuídas a Homero, a tragédia grega, a Eneida de Virgílio e, consequentemente, a Bíblia (conjunto de livros que marcam toda a civilização ocidental há cerca de dois mil anos). É sobre a Bíblia, mais concretamente sobre o Velho Testamento, em Génesis, que José Saramago se baseou para escrever o seu último livro Caim.
Se partirmos do princípio que a Bíblia é um livro sagrado, intocável, veremos com outros olhos a mensagem transmitida. Contudo, em minha opinião, a Bíblia deve ser olhada de outra forma. Estamos perante a história de um povo, o povo de Israel, e as leis porque esse povo se devem reger. Não é por acaso que a Tora, livro sagrado judaico, é praticamente todo o Velho Testamento da Bíblia Cristã. Aí está escrita a sua história e as suas leis, a sua forma de vida. Muito dessas escrituras, nomeadamente no capítulo das leis, são esquecidas pelos católicos. Assistimos ao nascimento do povo hebraico e ao seu desenvolvimento até criarem a sua nação. É óbvio que estas gentes, com o seu crescimento em número, tiveram de se organizar, para isso criaram leis. E qual a melhor forma de as fazer cumprir numa época conturbada da história, onde os homens se digladiavam pelos melhores pedaços de terras, do que lhes dar origem divina. Qual a melhor forma de guiar centenas de milhares de pessoas na fuga do Egipto, gentes com cultos e culturas adulteradas pela cultura dominante, a egípcia, senão dar-lhes um guia espiritual, um deus a quem todos teriam de obedecer, sob pena de receberem castigos celestes implacáveis. É mais fácil obedecer ao desconhecido, ao transcendente, do que aos nossos semelhantes, mesmo que se saiba que se vai para uma terra prometida. A partir do Génesis e o Êxodo, até Livro de Josué, onde se dá a contagem de todos os membros das doze tribos hebraicas e se chega à terra prometida, relata-se o nascimento, padecimento e libertação dos Hebreus. O que se segue é a consolidação de um país, com direitos e deveres, com leis e castigos, com guerras por novas posses que pudessem alimentar o crescimento da população. É natural que os escribas e os chefes tribais continuassem a afirmar que tudo emanava do direito divino.
Olhando desta forma para a Bíblia não nos choca a abordagem ficcionista de Saramago em Caim, como não chocou o Evangelho Segundo Jesus Cristo, que tanta celeuma e censuras de várias espécies se assistiram na época. O Nobel português tem o condão de provocar choques, ou então provocam-lhes, o que acaba por aguçar a leitura das suas obras. É visível que a obra é provocante e polémica, já que leva Caim a atravessar diametralmente todo o livro de Génesis e a “viver” situações que naturalmente não viveu. Axiomático que estamos perante uma obra de ficção, mas não deixamos de olhar para o livro e ver que existe um ajuste de contas mal resolvidas entre Saramago e a Igreja Católica, talvez até com o Deus evocado no Velho Testamento. Contudo, não podemos continuar a olhar para os crimes cometidos por essa mesma igreja, mesmo que eles tivessem lugar num passado não muito longínquo, senão teríamos de olhar para outros crimes que mataram muito mais pessoas em nome de outras religiões, ideologias ou princípios. Há que recordá-los, estudá-los, conhecê-los e não voltar a permitir que eles voltem a acontecer. Daí que este género literário seja importante para não se esquecer a História.
O que Saramago nos diz nesta obra pouco traz de novo à discussão, são factos conhecidos de quem leu a Bíblia. Todos sabemos que Caim matou Abel por ciúmes, que havia outros homens na terra para além de Adão e Eva (Tirando o facto de serem filhos do senhor, obra directamente saída das suas divinas mãos, pág. 33), conhecemos a metáfora da Torre de Babel, assim como a de Sodoma e Gomorra, o sacrifício do filho de Abraão, as guerras por novas possessões e a história da Arca de Noé. Agora que o autor faz nesta obra é magistral, utiliza todos esses e outros factos bíblicos para colocar Caim nesses episódios, dando-lhe um cunho próprio, algumas vezes alterando o rumo dos acontecimentos, se bem que os resultados são sempre os mesmos, mas a História não se altera. Esta é a forma que Caim tem de se vingar de Deus, primeiro por não o castigar pela morte de seu irmão e depois por o ter colocado como judeu errante por terras de ninguém. Caim mata Abel porque não pode matar Deus, esta é a resposta no romance para os ciúmes de Caim, assim como esta personagem bíblica considera o Senhor como a fonte de todos os males. Reportando a uma conversa com os anjos sobre os padecimentos de Job Caim diz: «Estou cansado da lengalenga de que os desígnios do senhor são inescrutáveis, respondeu Caim, deus deveria ser transparente e límpido como cristal em lugar desta contínua assombração, deste constante medo, enfim, deus não nos ama.(pág. 142)». Mais adiante sobre Sodoma, e na mesma conversa com os anjos, fala-se de justiça: «… mas a justiça, para deus, é uma palavra vã, agora vai fazer sofrer Job por causa de uma aposta e ninguém lhe pedirá contas. […]. O senhor não ouve, o senhor é surdo, por toda a parte se lhe levantam súplicas, são pobres, infelizes, desgraçados, todos a implorar o remédio que o mundo lhes negou, e o senhor vira-lhes as costas, começou por fazer uma aliança com os hebreus e agora fez um pacto com o diabo, para isto não valia a pena haver deus.(pág. 143)», ou seja, não há na obra um Deus misericordioso, há sim um Deus com caprichos, que age por impulsos, consoante as suas «birras», ocasiões, ou até apostas. Como Job não renegou ao seu Deus, assim os crentes na sua imensa fé, apesar dos sofrimentos, não renegam aos princípios do catolicismo.
Quando Noé e sua família saem da arca diz o Génesis, no seu capítulo 8, Deus pensou que não tornará mais a amaldiçoar a terra por causa do homem, dizendo a Noé para se multiplicarem e encherem a terra. Só que o narrador troca os acontecimentos, antes de a arca ancorar Caim mata todos os ocupantes humanos, a mulher, as filhas e os genros de Noé, acabando este por se suicidar. Assim é o fim da humanidade. O mundo fica habitado unicamente por Caim e Deus, que continuam numa perpétua discussão até ao final dos tempos, tanto que «A história acabou, não haverá mais nada para contar. (pág. 181)».
Caim é uma narrativa extraordinária, um dos livros mais brilhantes do nosso prémio Nobel, pela forma como capta o leitor para a história e queiram os mais radicais ou não muita gente vai conhecer a Bíblia, aí cada um tirará as suas conclusões. Saramago não tem medo do castigo dos infernos, nem da fúria divina, pois segundo Deus há: «…gente que me virou as costas, alguns vão ao ponto de negar a minha existência, Castiga-os, Estão fora da minha lei, fora da minha alçada, não lhes posso tocar, é que a vida de um deus não é tão fácil quanto vocês crêem, um deus não é senhor daquele contínuo quero, posso e mando que se imagina, … (pág. 125)». Afinal Saramago será julgado pelos homens de boa vontade.

Jornal Regional Triângulo, 2009/11/05

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Primeiro livro de Alfredo Vieira

A obra:
Um homem só numa grande metrópole.
Naquele dia Lisboa parecia que estava deserta.
Ao longo da manhã encontrou quatro pessoas, um músico, uma mulher, um empregado de mesa e um rapaz. Imagine-se estas cinco pessoas sós na grande capital. No dia seguinte encontram uma jovem pintora.
Quando tudo parecia perdido eis que a cidade regressa à normalidade, uma normalidade aparente, pois o grupo descobre que está desalinhado. Na espera falam de tudo, grandes divagações teológicas e filosóficas. Até que chega o dia em que descobrem que os primeiros dias do fim.
Uma história de contrastes, utopias, liberdade e de amor.
Será que chegou o fim da História?

O autor:
Alfredo Vieira nasceu em Outubro de 1958 em Lisboa, contudo a sua terra natal é Sacavém. Mais tarde adoptou a Póvoa de Santa Iria como sua segunda terra.
Desde muito cedo que se interessou pelas letras, que o levou a colaborar com diversos jornais nacionais e regionais com colunas literárias. Com um grupo de amigos funda o Jornal Regional Triângulo, no qual foi director-adjunto, criou o suplemento cultural. Mantêm-se actualmente como colaborador na área da cultura.
Prefaciou alguns livros de poesia popular e foi júri de prémios literários.
Diário dos Primeiros Dias do Fim é a primeira obra de ficção.
Título: Diário dos Primeiros Dias do Fim
Autor: Alfredo Vieira
Editora: Fonte da Palavra