sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Homens e mulheres de “cultura”

Entre os homens e mulheres de cultura é habitual, quando não estão de acordo, esgrimirem argumentos, trocarem opiniões…, no fundo, terem discussões mais ou menos acaloradas, mas sem nunca chegarem ao insulto, pelo menos directo. Existe dentro da ética cultural muitos argumentos (por isso essas pessoas são munidos de vasto conhecimento e profundo saber, dotados de uma moral superior que lhes permite escrever e debater sem agredirem, de qualquer forma, os seus oponentes, ou contendores). O caso exemplar é a célebre questão coimbrã (polémica discussão sobre o Bom-Senso e o Bom-Gosto, que opôs os defensores do Realismo e do Naturalismo), com a carta de Antero de Quental a Feliciano Castilho. Isso, de facto, deveria ser a postura ética das pessoas de cultura. Mas o mundo está a mudar e já não é assim.
Alguns homens e mulheres de cultura para puderem viver condignamente dedicam-se a outras ocupações, pois só o trabalho em prol da cultura, em prol dos outros não permite ninguém sobreviver quanto mais viver condignamente. Então, alguns, quando atingem determinados status social que lhes dá alguma visibilidade perante a sociedade são cooptados pelos partidos e aliciados para a vida política, passando a girar em torno de um grupo onde se divide o bolo nacional, ou seja, entrando no sistema. Nesse novo estatuto esquecem que são homens e mulheres de cultura, deixam de esgrimir argumentos, trocarem opiniões e passam aos insultos mais vis e mais torpes para atingirem os seus fins: que a sua força política seja a mais votada, chegue ao poder e aí tenham as propendas e as benesses a que têm direito, a paga por esquecerem que são gente de cultura e passarem a ser políticos, no acesso semântico que ao longo das últimas décadas a palavra político começou a ser conotada na gíria popular.
Essas pessoas continuam a escrever, pintar, actuar, mantendo todo o mérito enquanto artistas, pintores, escultores, escritores, mas a perder em qualidades humanas, ferem a sua honestidade e o seu bom nome, extinguindo-se os atributos que granjearam junto da opinião pública.
Quem perde? Quem perde é a cultura portuguesa, tão deficitária de grandes referências, apesar de, felizmente, ainda termos alguns nomes, que preferem viver modestamente, mantendo o seu nome e carácter impoluto e sem mácula, contribuindo com as suas opiniões livres de homens e mulheres livres, pois não devem nada a ninguém.
Alfredo Vieira

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