terça-feira, 5 de agosto de 2008

A directiva da vergonha

Foi aprovado na passada quarta-feira, dia 18 de Junho, no Parlamento Europeu a chamada “Directiva do Retorno”, uma norma comunitária que harmoniza ao nível dos 27 estados membros da União Europeia (UE) a política de repatriamento de emigrantes ilegais no espaço europeu, que prevê a possibilidade de retenção por um prazo até 18 meses e interdição de regresso até cinco anos.
Para um continente que sempre se pautou por uma enorme tolerância e liberdade esta pode ser considerada a “Directiva da Vergonha”. Mais ainda se pensarmos que a Europa foi um continente de imigrantes, sobretudo para a América Latina e África. Hoje nesses países, e a aplicar-se a directiva, seríamos imigrantes ilegais, já que sempre saímos de forma precária dos nossos países.
A Europa tornou-se num espaço apetecível para um conjunto de povos que procuram neste espaço as mais diversas ocupações, muitas vezes empregos que já não são apetecíveis, ou não se coadunam com a formação dos europeus. São pessoas que, na sua maioria, vêm para trabalhar, para produzir riqueza, para pagar os seus impostos. No fundo vêm engrandecer o velho continente, que sempre se mostrou ímpar em matéria de direitos humanos e que lutou para que em todo o mundo os homens pudessem ser mais iguais. Agora inverte-se a situação e começa a restringir e a criminalizar o que chama de imigração ilegal, num claro atropelo aos mais elementares direitos dos povos, sobretudo de pessoas que vivem no mais baixo limiar da pobreza e da sobrevivência, que nada mais faz, desde que se levantam até que se deitam, do que pensar na forma de se alimentar e de alimentar os seus filhos.
É necessário criar regras, por isso é necessário legislar, no entanto, pergunto-me: porque há-de ser no sentido repressivo e restritivo? Isto é um retrocesso civilizacional, que não cria condições para a integração de cidadãos não comunitários. Uma pessoa é presa só porque não tem documentos. Nada é tido em conta, nem os laços familiares que o possam ligar a cidadãos daquele país. Será que as pessoas por não terem documentos não têm direitos? – como questionou a presidente da Amnistia Internacional. No caso dos menores ainda é mais flagrante, chocante e imoral: prevê-se a possibilidade de detenção, mas damos-lhe a possibilidade de brincarem à vontade, segundo as brincadeiras próprias para a idade.
Está-se a desvirtuar o fundamento democrático e humanista, pedras basilares da construção europeia.
Este tem sido um assunto que não tem merecido grande destaque na comunicação social, apesar de inúmeras organizações não governamentais (ONG’s) terem levantado a sua voz, entre elas a Amnistia Internacional, mas a quem se dirige estas medidas repressivas são aqueles que não têm voz, aqueles que não chegam aos grandes médias, mas que são tão humanos, como qualquer legislador que fez esta directiva.Perante este cenário, que se levanta devido à chegada ao poder de maiorias da direita radical com tendências xenófobas, como é o caso de Itália e de França, chefes de estado e de governo de países da América Latina já mostraram a sua discordância. A essas vozes juntam-se a de intelectuais e cientistas. No entanto, todos se fazem surdos na União Europeia. E desse grupo de surdos faz parte a direita portuguesa que votou junto dos seus aliados do Partido Popular Europeu, assim como o governo, que ainda não se mostrou desfavorável à aplicação desta directiva em território nacional, e que os 27 estados membros vão começar a aplicar em 2010.

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