Alhandra recebe dos primeiros círios
Alfredo Vieira
A descoberta de um livro sobre Nossa Senhora da Nazaré, organizada por Pedro Penteado, baseada na obra homónima do Padre Manuel de Brito Alão, com o título Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora da Nazaré, editado pela Colibri, em parceria com Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, deve-se à curiosidade que me despertou o círio e a devoção que as populações da maioria das freguesias do concelho de Mafra dedicam à imagem que, segundo a lenda, foi descoberta por Dom Fuas Roupinho, depois salvo «por obra da Divina Providência» de uma morte certa no promontório do Sítio, na Nazaré, numa das mais belas histórias do imaginário português.
Nesta obra encontrei referências a uma primeira fase do círio dedicado a Nossa Senhora da Nazaré que o ligam à população de Alhandra, quando as populações ainda se deslocavam ao Sítio em peregrinação. Mais tarde, e desperto pela curiosidade, acabo por encontrar outras referências à sua passagem pelo concelho de Vila Franca de Xira, nas invasões francesas, na obra Dom Fuas Roupinho e o Santuário da Nazaré, do Padre Mendes Boga.
Convém introduzir um pouco de como se iniciou este culto, que, segundo reza a lenda, tem perto de 1700 anos (lenda que acabou por inspirar poetas, prosadores e dramaturgos). Reportamo-nos ao ano de 361, no Império Romano, quando este vivia grandes convulsões sociais, sobretudo com a sangrenta perseguição que o Imperador Juliano movia aos cristãos, que tentavam passar a sua mensagem em Espanha, onde se refugiavam. Ciríaco, um monge grego, leva consigo a pequena imagem da Santa para a Palestina, que, segundo a tradição, foi esculpida por S. José, marido de Maria, Mãe de Jesus. Ciríaco acabou por confiar a imagem a S. Agostinho, bispo de Hipona, que faleceu em 430. A imagem acabou por chegar à Europa no século V, sendo venerada no mosteiro Cauliniano, onde permaneceu durante três séculos.
A monarquia visigótica vê-se destronada pela invasão das hostes islâmicas. Com medo das represálias o curador, D. Rodrigo, abandona o mosteiro e leva consigo a imagem de Nossa Senhora da Nazaré. Em Mérida entrega-a D. Rodrigo, que, vendo-se assediado pelos seguidores de Maomé, acaba por fugir e se isolar no Sítio, onde colocou a imagem numa galeria que cavou nas escarpas, para servir de abrigo. Neste local viveu escondida durante 469 anos.
O alcaide D. Fuas Roupinho, lugar tenente de D. Afonso Henriques, partiu de Porto de Mós para uma caçada. Nos bosques sobranceiros à Nazaré passa uma corça, Dom Fuas persegue-a até ao lugar onde se dá o milagre, o promontório do Sítio, que se encontrava envolto em neblina. Quando estava prestes a atingir o animal pressente o perigo, ao sentir-se no extremo de uma rocha que distava do mar mais de cem metros. O cavalo estancou e D. Fuas regressa para junto dos companheiros. Voltando ao lugar com os amigos encontra a gruta onde se abrigava a imagem.
Depois deste milagre seguem-se outros. É a partir deste encanto que se propaga pelo reino as maravilhas das obras milagreiras de Nossa Senhora da Nazaré, levando ao seu culto. Envolto nesta adoração cria-se um dos maiores templo marianos no Sítio da Nazaré.
Brito Alão, que segundo as crónicas da época viveu mais de oitenta anos, nasceu em 1570. Desde muito novo dedica-se ao culto e ao estudo da história de Nossa Senhora da Nazaré, com a conclusão de algumas obras. É baseado nestes estudos que nasce em 1628 a obra que nos referência, pela primeira e única vez, a ligação de Alhandra ao este culto mariano, em a Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora da Nazaré.
A obra aparece como uma visita guiada de três personagens pelo templo e pela adoração, o autor, o seu irmão, capitão Cristóvão Brito Alão, e um dos seus antigos amigos da Casa do Arcebispo de Braga. É durante esta narrativa, no capítulo XXXV, que se fala das Confrarias das Vilas de Porto de Mós, de Alcobaça e D’Alhandra.
Depois de apresentar os dois primeiros círios, que estavam presentes na data da narração no templo, perante os seus amigos, o Padre Alão fala um pouco do círio de Alhandra: «Este sírio pequeno é da Confraria da vila D’Alhandra, que são daqui treze léguas; vem o terceiro Domingo de Outubro, é a mais moderna, trás armação para toda a igreja, com missa cantada e pregação.» É este pequeno trecho da obra que liga a vila alhandrense à devoção de Nossa Senhora da Nazaré. Muito antes dos círios da Região Oeste (freguesias dos concelhos de Sintra, Mafra e Torres Vedras), Alhandra prestava culto à imagem de Nossa Senhora da Nazaré.
Mais tarde, em referência à saga das invasões francesas, o Padre Mendes Boga alude ao roubo e estropiação de obras de arte que durante séculos foram guardadas na igreja de Nossa Senhora da Nazaré, no Sítio, e à fuga do mordomo da Casa da Nazaré, António Carvalho, com a imagem para o lugar de Pendão, Belas, em casa de um criado de D. João VI, onde esteve até Março de 1811, de onde foi conduzida até Queluz, sendo mais tarde deslocada para a Igreja de Benfica. Quando os franceses são banidos do país, a imagem é levada para a Nazaré, onde o povo a esperava. Nesta sua deslocação passa por Vila Franca de Xira, entrado no seu santuário a 6 de Setembro de 1812.
Depois de uma vasta pesquisa pelos lugares de culto, actuais e outros já desaparecidos, não se encontrou nada que se refira ao culto de Nossa Senhora da Nazaré no concelho, muito menos em Alhandra, onde existem algumas capelas, ermidas e igrejas. Contudo, estas referências permitiram-me pensar que algo pudesse ligar as duas freguesias ribatejanas à devoção nazarena, mas nada as liga a uma das adorações mais antigas do país, um dos círios mais importantes, que congrega dezassete freguesias, e uma das mais belas lendas portuguesas.
Fontes:
Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora da Nazaré, de Manuel Brito Alão, edição de Manuel Penteado, Edições Colibri / Confraria de Nossa Senhora da Nazaré
D. Fuas Roupinho e o Santuário da Nazaré, Padre Mandes Boga, Porto-1973
Nesta obra encontrei referências a uma primeira fase do círio dedicado a Nossa Senhora da Nazaré que o ligam à população de Alhandra, quando as populações ainda se deslocavam ao Sítio em peregrinação. Mais tarde, e desperto pela curiosidade, acabo por encontrar outras referências à sua passagem pelo concelho de Vila Franca de Xira, nas invasões francesas, na obra Dom Fuas Roupinho e o Santuário da Nazaré, do Padre Mendes Boga.
Convém introduzir um pouco de como se iniciou este culto, que, segundo reza a lenda, tem perto de 1700 anos (lenda que acabou por inspirar poetas, prosadores e dramaturgos). Reportamo-nos ao ano de 361, no Império Romano, quando este vivia grandes convulsões sociais, sobretudo com a sangrenta perseguição que o Imperador Juliano movia aos cristãos, que tentavam passar a sua mensagem em Espanha, onde se refugiavam. Ciríaco, um monge grego, leva consigo a pequena imagem da Santa para a Palestina, que, segundo a tradição, foi esculpida por S. José, marido de Maria, Mãe de Jesus. Ciríaco acabou por confiar a imagem a S. Agostinho, bispo de Hipona, que faleceu em 430. A imagem acabou por chegar à Europa no século V, sendo venerada no mosteiro Cauliniano, onde permaneceu durante três séculos.
A monarquia visigótica vê-se destronada pela invasão das hostes islâmicas. Com medo das represálias o curador, D. Rodrigo, abandona o mosteiro e leva consigo a imagem de Nossa Senhora da Nazaré. Em Mérida entrega-a D. Rodrigo, que, vendo-se assediado pelos seguidores de Maomé, acaba por fugir e se isolar no Sítio, onde colocou a imagem numa galeria que cavou nas escarpas, para servir de abrigo. Neste local viveu escondida durante 469 anos.
O alcaide D. Fuas Roupinho, lugar tenente de D. Afonso Henriques, partiu de Porto de Mós para uma caçada. Nos bosques sobranceiros à Nazaré passa uma corça, Dom Fuas persegue-a até ao lugar onde se dá o milagre, o promontório do Sítio, que se encontrava envolto em neblina. Quando estava prestes a atingir o animal pressente o perigo, ao sentir-se no extremo de uma rocha que distava do mar mais de cem metros. O cavalo estancou e D. Fuas regressa para junto dos companheiros. Voltando ao lugar com os amigos encontra a gruta onde se abrigava a imagem.
Depois deste milagre seguem-se outros. É a partir deste encanto que se propaga pelo reino as maravilhas das obras milagreiras de Nossa Senhora da Nazaré, levando ao seu culto. Envolto nesta adoração cria-se um dos maiores templo marianos no Sítio da Nazaré.
Brito Alão, que segundo as crónicas da época viveu mais de oitenta anos, nasceu em 1570. Desde muito novo dedica-se ao culto e ao estudo da história de Nossa Senhora da Nazaré, com a conclusão de algumas obras. É baseado nestes estudos que nasce em 1628 a obra que nos referência, pela primeira e única vez, a ligação de Alhandra ao este culto mariano, em a Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora da Nazaré.
A obra aparece como uma visita guiada de três personagens pelo templo e pela adoração, o autor, o seu irmão, capitão Cristóvão Brito Alão, e um dos seus antigos amigos da Casa do Arcebispo de Braga. É durante esta narrativa, no capítulo XXXV, que se fala das Confrarias das Vilas de Porto de Mós, de Alcobaça e D’Alhandra.
Depois de apresentar os dois primeiros círios, que estavam presentes na data da narração no templo, perante os seus amigos, o Padre Alão fala um pouco do círio de Alhandra: «Este sírio pequeno é da Confraria da vila D’Alhandra, que são daqui treze léguas; vem o terceiro Domingo de Outubro, é a mais moderna, trás armação para toda a igreja, com missa cantada e pregação.» É este pequeno trecho da obra que liga a vila alhandrense à devoção de Nossa Senhora da Nazaré. Muito antes dos círios da Região Oeste (freguesias dos concelhos de Sintra, Mafra e Torres Vedras), Alhandra prestava culto à imagem de Nossa Senhora da Nazaré.
Mais tarde, em referência à saga das invasões francesas, o Padre Mendes Boga alude ao roubo e estropiação de obras de arte que durante séculos foram guardadas na igreja de Nossa Senhora da Nazaré, no Sítio, e à fuga do mordomo da Casa da Nazaré, António Carvalho, com a imagem para o lugar de Pendão, Belas, em casa de um criado de D. João VI, onde esteve até Março de 1811, de onde foi conduzida até Queluz, sendo mais tarde deslocada para a Igreja de Benfica. Quando os franceses são banidos do país, a imagem é levada para a Nazaré, onde o povo a esperava. Nesta sua deslocação passa por Vila Franca de Xira, entrado no seu santuário a 6 de Setembro de 1812.
Depois de uma vasta pesquisa pelos lugares de culto, actuais e outros já desaparecidos, não se encontrou nada que se refira ao culto de Nossa Senhora da Nazaré no concelho, muito menos em Alhandra, onde existem algumas capelas, ermidas e igrejas. Contudo, estas referências permitiram-me pensar que algo pudesse ligar as duas freguesias ribatejanas à devoção nazarena, mas nada as liga a uma das adorações mais antigas do país, um dos círios mais importantes, que congrega dezassete freguesias, e uma das mais belas lendas portuguesas.
Fontes:
Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora da Nazaré, de Manuel Brito Alão, edição de Manuel Penteado, Edições Colibri / Confraria de Nossa Senhora da Nazaré
D. Fuas Roupinho e o Santuário da Nazaré, Padre Mandes Boga, Porto-1973
Um comentário:
Boa tarde Alfredo, fiz referência ao seu trabalho num post.
Cresci perto de um palacete no Pendão que tinha uns azulejos da lenda da nazaré. Será que foi aqui que a figura esteve escondida?
http://www.arquivofotograficosocial.com/2012/12/nazare-e-o-pendao.html
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