segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O mistério das relações humanas

O primeiro romance realista da literatura universal foi escrito em 1719 por Daniel Defoe (1660-1731) e influenciou um conjunto de autores, que, melhor ou pior, têm aproveitado essa experiência para criarem obras, algumas delas de grande valor para a humanidade. O livro em questão é A Vida e as Estranhas e Surpreendentes Aventuras de Robinson Crusoe, um dos textos chaves da Modernidade – normalmente conhecem-se as edições juvenis que agrupa essencialmente a estada na ilha. Depois da saída deste romance, e devido ao seu sucesso, um conjunto de títulos na mesma linha deram origem a uma autêntica robinsonmania, muitos desses títulos são meras imitações. Contudo, autores há que aproveitarem essa espectacular obra para criarem grandes romances, entre essas grandes obras encontrasse O Rei das Moscas de William Golding (1911-1993), editado em 1954, tornando-se um clássico de textos escolares.
O Deus das Moscas é a história de um conjunto de crianças, algumas a entrar na adolescência, que viajam num avião que se despenha numa ilha deserta, ficando esse grupo por sua conta sem o cuidado de qualquer adulto. Ao princípio tudo foi brincadeira e liberdade, por fim degenera em violência extrema.
É através do som da casca de um búzio que o grupo se junta, passando essa casca a ser o símbolo do poder, a quem é passado o búzio têm o poder de falar nas assembleias, sendo o chefe aquele a quem a assembleia entrega a casca. Desde início que se nota uma tensão entre dois adolescentes, um que encontra o búzio e outro que lidera um grupo de crianças de capa e boné, um coro musical, sendo ele o corista do capítulo. Essa tensão manifesta-se na primeira reunião e vai prosseguir durante toda a acção. Primeiro esse grupo de crianças é conhecido por caçadores, são eles que caçam para os restantes, mais tarde vão aparecer como os selvagens, tal é a ferocidade que colocam nas suas acções.
Golding deixa o supérfluo e vai ao essencial: o princípio das relações humanas e os jogos de poder, a luta pela liderança que se começa a travar desde tenra idade, mesmo que para isso haja necessidade de matar. Estes instintos perversos, mas naturais, são essenciais para a sobrevivência do ser humano em ambientes inóspitos, se bem que no caso de O Deus das Moscas, as crianças poderiam organizar-se em torno de objectivos que eram comuns aos dois líderes dos grupos: o caçar e o fogo. Por um lado a necessidade imediata da sobrevivência, por outro o fogo como forma de cozinharem os alimentos e serem vistos por barcos que passassem ocasionalmente pela ilha perdida.
Mesmo saídos de um país civilizado os jovens e as crianças mostraram os seus instintos mais primários impróprios da educação selectiva que levavam. O oficial que acaba por os salvar reconhece que para um grupo de miúdos britânicos deveriam de se organizar melhor.
Esta é uma metáfora excelentemente conseguida por William Golding, fácil de ler e que representa a instabilidade da evolução do homem e da relação entre jogos de poder, o medo e violência.
Golding acabaria por receber o Prémio Nobel da Literatura em 1983.
Alfredo Vieira

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