quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Insegurança – até onde podemos ir

Alfredo Vieira

Muito se tem escrito e falado na comunicação social sobre a insegurança que nestes últimos dias tem assolado o país de norte a sul. Não importa muito a estes comentadores e fazedores de opinião se esses crimes são contra o património, contra bens ou contra pessoas, o importante é defender a sua corrente de opinião – contra ou a favor da política do governo.
Eis que de repente se faz luz no Diário de Notícias de 27 de Agosto de 2008 num artigo de Baptista-Basto onde, sinteticamente, o jornalista e escritor coloca o dedo na ferida. De facto, o importante é ir ao fundo da questão, saber quais as causas sociais que uma sociedade como a nossa pode gerar. Existem divisões, e elas são evidentes e gritantes, e a culpa não é deste e daquele governo, é de todos os governos que promovem e promoveram o culto do individual, do safe-se quem puder, sendo mesmo os órgãos de poder que fomentam essa discrepância. Atentemos, por exemplo, a forma como são admitidos gestores públicos que entram para as direcções das empresas ligadas ao estado, com anos de antiguidade e depois saem delas com chorudas reformas, carros de topo de gama e regalias que são cerceadas ao comum dos cidadãos.
Não vale a pena rodear-se a questão e pedir demissão de governos ou de ministros. Há que mudar a maneira de actuação e de gestão do país. Criar alternativas credíveis a estes políticos. Será que este sistema político democrático falhou? Possivelmente não. O interesse talvez resida nas tentativas de quem está no poder, aproveitando este clima de insegurança, de criar políticas autoritárias para manobrar quem tem as armas, como forma de se sentirem defendidos quando a turba perceber de que nata é feita estes políticos. Até porque eles estão atentos ao que se está a passar no mundo. Existe neste momento em muitos países um espírito de mudança – não se sabe ainda com que consequências –, com experiências como a da Venezuela, ou de outros países da América Central e do Sul, na Europa ainda procuram preservar-se desses ‘malefícios’. Mesmo nos Estados Unidos nota-se esse espírito de mudança. Há poucos anos era impensável no país mais racista e sexista encoberto do mundo, um negro ou uma mulher candidatar-se à presidência desta nação tão importante na economia e na estratégia mundial. Neste momento existe a forte possibilidade de ser um afroamericano o próximo ocupante da Casa Branca.
De facto temos de estar atentos à criminalidade crescente, mas devemos meditar mais sobre os factores que levam a essa criminalidade e não nos deixarmos tentar por hipóteses totalitárias e de criação de estados policiais, que acabam sempre por degenerar em mais violência. Se assim fosse os Estados Unidos eram o país mais seguro do planeta, são um estado onde o crime pode ser pago com a vida, pois a sua sentença máxima é a pena de morte.
Existem no referido artigo de Baptista-Bastos três notas que são de extrema importância para uma reflexão efectiva: «Os laços sociais foram destruídos e o homem "moderno" encerra-se em si próprio, indiferente não só ao "outro" como relapso aos assuntos públicos.»; «Vivemos num país, numa sociedade, que ignora o conceito de comunidade e de partilha para se converter numa massa esvaziada de substância.»; «O português não é mobilizado porque é constantemente desprezado.»
Resta saber quando nos vamos lembrar que para além desta criminalidade existe outra escondida nos lares, nos doces lares, onde perto de quarenta mulheres já foram mortas. Em silêncio sofreram e em silêncio morreram. Até porque entre marido e mulher nunca metas a colher.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Ruínas do Aqueduto da Quinta do Convento dos Frades

Alfredo Vieira
A Quinta do Convento dos Frades situa-se na freguesia de Vialonga a cerca de quinhentos metros do Lugar da Verdelha do Ruivo, encaixada no talvegue do ribeiro da Alfarrobeira. Fundada em 1546 por D. Pedro de Alcáçova Carneiro, foi originalmente um convento de frades franciscanos. Ao longo dos séculos, nomeadamente entre os séculos XVII e XX, sofreu construções e modificações das quais restam alguns vestígios, dado que sofreu uma nova reconstrução, em 1961, que o salvou da ruína.
Estes lugares dos arrabaldes de Lisboa eram bastante procurados pelo sossego e pela qualidade das suas águas que brotavam da serra. Essas águas eram canalizadas através de aquedutos, que chegavam depois às quintas, hortas e conventos. Com o Terramoto de 1755 muita da nobreza escolhe esta zona, nomeadamente a margem norte do Trancão, para construir os seus palacetes e mansões, daí existir muitas casas brasonadas nas freguesias dos Tojais e de Vialonga, algumas delas em completa ruína devido ao seu abandono e à incúria das autoridades competentes, como é o caso do Hospital da Flamenga, onde sobressai uma capela setecentista com um conjunto de azulejaria barroca, até há pouco tempo preservado, mas o tempo vai-se encarregar de a destruir devido ao desprezo a que está votada.
Este quadro de Monteiro representa o que resta do aqueduto da Quinta do Convento dos Frades. É uma bela pintura de cariz figurativo, ou impressionista, para ser mais técnico, e que pode ser a última recordação de um lugar e de um tempo.
São pintores figurativos como Monteiro que nos deixam as derradeiras imagens de locais que deveriam ficar na história. O tempo, a fome desenfreada do progresso e a construção desregrada acabam por perder na memória dos tempos lugares de paz, meditação e cultura, como foram os conventos e mosteiros de lugares que na sua época eram recônditos, servindo de recolhimento aos monges e freiras, que buscavam o retiro para a sua completa entrega a Deus.
Esta obra, para além do carácter histórico, demonstra a decrepitude de um lugar, apesar de preservado. Parece contraditório, mas é desta forma que o pintor o olha e transmite para a tela. A observação atenta da pintura reflecte o que parece um monumento megalítico num espaço perdido, apesar de se notar na perfeição a construção em pedra, já que o artista é minucioso e procura dar todos os pormenores do lugar, dando vida à tela, apesar de estarmos perante duas vertentes interessantes: uma natureza morta, as ruínas do aqueduto, e toda a vida que fervilha à sua volta através da natureza.
Monteiro é um pintor que começa a aparecer cada vez com mais frequência nos escaparates das exposições. Falta-lhe muito pouco para atingir o que se pode chamar de estrelato no seu campo pictórico. Talvez a sua grande capacidade de produção lhe retire tempo para procurar galerias de expressão superior àquelas onde até agora tem exposto. A sua colecção dos Barcos do Tejo e a que se segue, a dos comboios antigos da CP, deveriam projectá-lo para o lugar que tem de ocupar na cultura portuguesa ao lado dos grandes mestres da pintura portuguesa.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A tirania da arte musical

Alfredo Vieira

A Malaposta abriu a sua temporada de 2006 com um recital de piano, onde estiveram presentes dois grandes mestres da música portuguesa, Olga Prats e António Vitorino d’Almeida, num diálogo musical único, um espectáculo que dificilmente se pode esquecer. Se a qualidade de executante de Olga Prats sobressaiu, a capacidade de improviso do Maestro Vitorino d’Almeida foi notável.
É bem possível que as nossas palavras nada tragam de novo ao fascínio que a música adquire com estes dois nomes maiores da cultura portuguesa. Quem pôde assistir ao recital teve oportunidade de receber uma aula de música, com o conhecimento de muitos dos seus nomes maiores internacionais, ao mesmo tempo que se recordou grandes compositores portugueses, como Lopes Graça, musicólogo falecido em 1995 comemorando-se este ano o centenário do seu nascimento.
Olga Prats deliciou o público com as suas marzucas, valsas, tangos e pequenos trechos musicais, ao mesmo tempo que explicava a todos os presentes o que as notas reflectiam, o sentido e o sentir dos compassos, comentando e falando sobre os nomes tocados e sobre a sua música. Enquanto António Vitorino d’Almeida explicava com o improviso e desdobrava o seu sentir, em notas que faziam vibrar o público que enchia por completo o auditório da Malaposta.
É desta improvisação do Maestro que gostaríamos de falar um pouco.
Enquanto os homens das letras procuram nas palavras a sua textura, as suas camadas, para compreender o seu significado e descodificar de forma a explicar aos amantes da literatura o que se subentende do texto que o autor expôs, aquilo a que se chama ler nas entrelinhas. Daí nasce o ensaio literário, o estudo da literatura e da sua história. Vitrorino d’Almeida faz o mesmo com a música, desdobra com notas musicais aquilo que o recital o faz sentir, ou seja, consegue transmitir através da música as variantes que se podem concluir de uma peça, seja ela qual for. O Maestro transforma as notas de outros compositores na sua própria música, cria-se, dessa forma, um ensaio musical, audível, que prende o auditório ao seu enorme talento, não só de músico, mas de comunicador e de grande conhecedor do fenómeno musical, fazendo-nos entender, de forma fácil, um mundo do qual, muitas vezes, vivemos afastados.
É, de facto, com espectáculos como o recital de piano que nos faz gostar ainda mais da música de câmara, assim como ela é entendida. Foi uma lição extraordinária a que se assistiu e, agora, compreendemos melhor o porque de dificilmente encontrarmos músicos com a capacidade de Olga Prats e António Vitorino d’Almeida, que para além de executantes, são grandes mestres do conhecimento musical e grandes comunicadores.
De facto, este espectáculo fez-nos sentir saudades de programas televisivos como os que eram protagonizados pelo Maestro, assim como de outros, e recordo comunicadores como Vitorino Nemésio, David Mourão Ferreira, João Villaret, Mário Viegas, ou António Lopes Ribeiro, programas que aproximavam o grande público da cultura, da bela tirania da cultura, que nos absorvia e mantinha níveis de audiências acima da média.
Este recital de piano foi o início de uma temporada idealizada pela OdivelCultur para este ano, que promete muita qualidade pelo programa apresentado, no entanto, como lembraram Vitorino d’Almeida e Olga Prats, nota-se uma falha, o esquecimento das comemorações dos cem anos do nascimento de Fernando Lopes Graça, um dos grandes expoentes da música portuguesa do século XX.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

A arte e o dinheiro

Alfredo Vieira
Um dia fui trabalhar para uma fábrica, um dos aliciantes deste meu novo emprego era que, para além do vencimento, tínhamos prémios de produção. No primeiro dia o chefe de departamento que me apresentou aos meus novos companheiros de laboração lembrou-me novamente a produção por objectivos, dizia ele que era bom deslembrar-me, «se você vem com a ideia de ganhar prémios esqueça, nunca vai atingir a produção. Deixe o trabalho correr a um ritmo natural e depois fale comigo.» Assim foi, desprezei os prémios e passado pouco tempo abrangia os níveis mais elevados de produção que a máquina podia atingir.
Falo disto porque desde que me dediquei ao jornalismo encontro algumas pessoas que procuram através da arte (pintura ou escultura, prosa ou poesia, cinema) juntar algum dinheiro para compor as suas finanças. É óbvio que salvo raras excepções essas pessoas acabam por desistir e abandonam, desiludidas, as suas actividades. Muitas nem procuram conhecer outros autores das vertentes artísticas onde se aplicam. Depois, numa perspectiva económica, procuram outras vertentes com o horizonte fito em juntar algum pecúlio aos seus vencimentos.
É axiomático que não podemos condenar alguém que procura melhorar o seu nível de vida, como o fiz quando fui para a fábrica, mas arte é algo que se embrenha em nós. As pessoas procuram a arte, ela apaixona-nos e ficamos submetidos à sua doce tirania. A partir desse dia vamo-nos descobrindo e descobrindo os outros. Só existe algo que nos embebe como a arte: a religião. E ambas podem coexistir, porque as duas são uma busca constante para quem as leva devidamente a sério.
A vida é feita de sentimentos e utopias, itens que estão na arte e também na religião (pelo menos no seu objectivo final: atingir o céu sem pecados). Nunca se pode olhar para elas como uma fonte de rendimento, porque um dia mais tarde vamos desistir e descobriremos a desilusão do ser e do estar no mundo.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Brito Camacho e o anticlericalismo

Alfredo Vieira

Figura controversa Brito Camacho não consegue reunir consenso em torno de algumas das traves mestras do seu pensamento, quase todo ele publicado em livros ou em artigos de opinião nos jornais por onde passou e alguns que liderou.
Republicano e Livre Pensador, foi-o de certo, contudo existe a dúvida enquanto moralista e, até, enquanto ateu que se assumia, pois frequentemente visitava a Capela da Senhora do Castelo, na sua terra natal Aljustrel. A Senhora do Castelo era sua madrinha de baptismo a quem ele dizia visitar como dívida de gratidão que se deve aos padrinhos de baptismo.
É sobre a vida e obra de Brito Camacho que se debruça a recente obra de Luís Vaz O Pensamento Anticlerical de Brito Camacho, editado pela Hugin e prefaciado por António Arnaut, Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, a Maçonaria Portuguesa. O livro traça o percurso sobre o pensamento de um homem, sobretudo anticlerical, desde o seu tempo de estudante, onde fundou o perfil que o ia reger para o resto da sua vida. Formou-se em medicina, prática que viria a abandonar pouco tempo depois da sua formatura académica, foi ministro no 1.º Governo Provisório, depois da implantação da República em 1910, fundou o Partido Unionista do qual veio a ser dirigente máximo, colaborou em vários órgãos de comunicação social e criou outros de inspiração republicana e de livre pensamento.
Brito Camacho viveu os períodos conturbados da História Portuguesa de antes e depois da implantação da República, entrando ainda pelo período de fixação enquanto governo autoritário do Estado Novo, assim como recebeu, juntamente com outros homens que pugnavam pelo Livre Pensamento, os ataques exacerbados do Clero contra essa forma de pensamento, acirrando ainda mais a sua opinião contra a igreja católica. No seu prefácio António Arnaut coloca a questão do anticlericalismo de Brito Camacho como uma forma de «libertar a política da influência da Igreja e restabelecer a soberania do povo, o poder civil».
Outra das suas grandes lutas foi contra a forma de ensino que se praticava à época em Portugal e o facto das universidades se manterem fieis à monarquia, mesmo depois da instituição da República, considerando os republicanos no poder responsáveis pela continuada influência da igreja no ensino depois de 1910. Pugnou por educação popular e apoiou os Grémios de Instrução e os Centros Escolares Republicanos pois considerava «…que aos letrados não convém que se difunda e intensifique a instrução, assim como aos ricos não convém que haja uma repartição mais equitativa das fortunas. Se o nível intelectual subisse, o valor de muita gente baixava, porque se tornaria manifesta a sua incompetência para ascenderam as posições que ocupam. A ignorância, mais que a preguiça, é a mãe de todos os vícios, porque, embora não tire ao homem o lugar que ocupa na escala zoológica, reduz a pouco mais de nada a sua categoria social, o seu valor como cidadão». (Camacho, Brito, Matéria Vaga, pág. 6).
Contudo a obra agora apresentada, para além de nos dar a conhecer o pensamento e a vida de Brito Camacho, permite conhecer melhor uma época, apresentando factos relevantes sobre a política, o jornalismo, a igreja, durante quase sete décadas, tempo que o estudado viveu. Para Luís Vaz «chegou a altura de submeter Brito Camacho ao tribunal da crítica. Aqui fica o nosso contributo, especialmente no que concerne ao seu pensamento e à sua obra no domínio de uma ideia e de uma prática anticlerical.».
Um livro importante para quem procura compreender um homem que, ao afirmar que não tinha filhos, dizia que era para si que escrevia, «esforçando-me para que eles (os seus escritos) reflictam o mais exactamente possível o meu particular modo de pensar e de sentir, a minhas ideias e os meus sentimentos, sempre norteado por um ideal de justiça, de verdade e de beleza».

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Esconder a cabeça na areia… para enganar os outros

Alfredo Vieira
Após a comunicação ao país do Senhor Presidente da República várias foram as opiniões dos comentadores políticos da nossa praça. A maioria dos fazedores de opinião apareceu nos canais televisivos de semblante carregado a mostrar como se sentiam defraudados pelo facto do Presidente só ter falado do estatuto da Região Autónoma dos Açores. Esperavam mais: situação económica, degradação das instituições, autismo dos governantes em relação aos graves problemas que são transversais a toda a sociedade…, enfim, nestes três importantes itens sintetiza-se todas as dificuldades do nosso povo, que levava à destituição do Governo.
A comunicação do Presidente foi de extrema importância. Portugal Continental e Ilhas são um todo nacional, é bom que os dirigentes se lembrem disso mesmo em tempo de eleições – podem brincar com os nossos impostos, podem enganar-nos nas obras públicas, podem mentir sobre tudo, mas não coloquem em causa a nossa soberania. Este foi, de facto, um sinal do Professor Cavaco Silva que deve ser entendido como os cargos políticos devem ser exercidos e os presidentes não podem, nem devem, ser meras figuras decorativas no nosso sistema político.
Mas a terreiro veio um conjunto de pessoas (os tais comentadores), quase todos eles conotados com os partidos políticos representados na Assembleia da República, sobretudo ligados aos dois maiores partidos. Uns que sim, outros que não, outros que pensavam já na demissão do Governo.
Recentemente, mais concretamente no dia 6 de Agosto de 2008, no DN, Vasco Graça Moura lembrou-se de escrever sobre a intervenção do Presidente da República e não deixou de dar umas «bicadas» na política seguida pelo governo. E não deixa de ter razão, só existe um senão.
Diz no meio do seu artigo de opinião intitulado Pode ser que não tarde: «O Governo que temos não presta para nada. Mostra-o todos os dias, nos mais variados quadrantes e sob as mais variadas perspectivas. Tem falhado em tudo o que anuncia, estropiado tudo o que prevê, desgovernado quase sempre, escamoteado ou manipulado aspectos essenciais, vivido de sessões contínuas de propaganda verbosa numa chocante impunidade.» Tudo isto é verdade, como é verdade o parágrafo com finaliza o texto: «Afinal, até os adeptos e simpatizantes do PS estavam à espera de que o PR se resolvesse a enxotar esta gente do poleiro. Havia outras coisas e ainda não foi desta. Mas pode ser que não tarde.»
Devo dizer que sou um leitor e admirador do poeta, tradutor e ficcionista Vasco Graça Moura, mas quando toca a política desagrada-me. Vasco Graça Moura é destacado militante do PSD, ocupando o cardo de deputado no Parlamento Europeu pelo mesmo partido, estrutura política essa que tem dividido o poder com o Partido Socialista desde as primeiras eleições livres. Tudo o que se passa, toda essa crise permanente em que vivemos não é exclusivo do Eng. Sócrates, é da responsabilidade de todos os primeiros-ministros, de todos os ministros que têm passado pelos vários governos constitucionais, que não souberam revelar-se como verdadeiros políticos capazes de resolver os problemas estruturais do país, pelo contrário, só os vêm agravando.
Gostava de perguntar ao Professor Vasco Graça Moura, homem de letras e de cultura reconhecida, se está a esconder a cabeça na areia ou quer enganar os outros? Se o PSD estivesse no governo, com a sua actual líder, iria tomar medidas políticas diferentes? A Dr.ª Manuela Ferreira Leite já deu a entender que não.Por isso será que vale a pena mudar de governo só por mudar. Se é para isso penso que não. A este já temos antipatia de estimação.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

A directiva da vergonha

Foi aprovado na passada quarta-feira, dia 18 de Junho, no Parlamento Europeu a chamada “Directiva do Retorno”, uma norma comunitária que harmoniza ao nível dos 27 estados membros da União Europeia (UE) a política de repatriamento de emigrantes ilegais no espaço europeu, que prevê a possibilidade de retenção por um prazo até 18 meses e interdição de regresso até cinco anos.
Para um continente que sempre se pautou por uma enorme tolerância e liberdade esta pode ser considerada a “Directiva da Vergonha”. Mais ainda se pensarmos que a Europa foi um continente de imigrantes, sobretudo para a América Latina e África. Hoje nesses países, e a aplicar-se a directiva, seríamos imigrantes ilegais, já que sempre saímos de forma precária dos nossos países.
A Europa tornou-se num espaço apetecível para um conjunto de povos que procuram neste espaço as mais diversas ocupações, muitas vezes empregos que já não são apetecíveis, ou não se coadunam com a formação dos europeus. São pessoas que, na sua maioria, vêm para trabalhar, para produzir riqueza, para pagar os seus impostos. No fundo vêm engrandecer o velho continente, que sempre se mostrou ímpar em matéria de direitos humanos e que lutou para que em todo o mundo os homens pudessem ser mais iguais. Agora inverte-se a situação e começa a restringir e a criminalizar o que chama de imigração ilegal, num claro atropelo aos mais elementares direitos dos povos, sobretudo de pessoas que vivem no mais baixo limiar da pobreza e da sobrevivência, que nada mais faz, desde que se levantam até que se deitam, do que pensar na forma de se alimentar e de alimentar os seus filhos.
É necessário criar regras, por isso é necessário legislar, no entanto, pergunto-me: porque há-de ser no sentido repressivo e restritivo? Isto é um retrocesso civilizacional, que não cria condições para a integração de cidadãos não comunitários. Uma pessoa é presa só porque não tem documentos. Nada é tido em conta, nem os laços familiares que o possam ligar a cidadãos daquele país. Será que as pessoas por não terem documentos não têm direitos? – como questionou a presidente da Amnistia Internacional. No caso dos menores ainda é mais flagrante, chocante e imoral: prevê-se a possibilidade de detenção, mas damos-lhe a possibilidade de brincarem à vontade, segundo as brincadeiras próprias para a idade.
Está-se a desvirtuar o fundamento democrático e humanista, pedras basilares da construção europeia.
Este tem sido um assunto que não tem merecido grande destaque na comunicação social, apesar de inúmeras organizações não governamentais (ONG’s) terem levantado a sua voz, entre elas a Amnistia Internacional, mas a quem se dirige estas medidas repressivas são aqueles que não têm voz, aqueles que não chegam aos grandes médias, mas que são tão humanos, como qualquer legislador que fez esta directiva.Perante este cenário, que se levanta devido à chegada ao poder de maiorias da direita radical com tendências xenófobas, como é o caso de Itália e de França, chefes de estado e de governo de países da América Latina já mostraram a sua discordância. A essas vozes juntam-se a de intelectuais e cientistas. No entanto, todos se fazem surdos na União Europeia. E desse grupo de surdos faz parte a direita portuguesa que votou junto dos seus aliados do Partido Popular Europeu, assim como o governo, que ainda não se mostrou desfavorável à aplicação desta directiva em território nacional, e que os 27 estados membros vão começar a aplicar em 2010.

domingo, 3 de agosto de 2008

A conciliação da família

Alfredo Vieira

Um dos temas que mais aparece na comunicação social, no debates e nas conversas tem sido a família. Por razões de sobrendividamento, ou falência, de desagregação, de desestruturação…, enfim, um conjunto de factores económicos e sociais que colocam em risco a mais antiga forma de organização sócio-económica e religiosa conhecida.
Desde início da década de sessenta do século passado em Portugal as mulheres iniciaram um processo de emancipação devido a vários factores: por vontade própria – uma forma de se tornarem independentes do poder dos homens; por necessidade de apoiar economicamente a família; início da guerra colonial – com a consequente diminuição de homens no mercado de trabalho, entre outros factores. Rompia-se com uma das máximas de Salazar: Deus, Pátria e Família, que tornava a mulher no centro de agregação da família e o homem como angariador de dinheiro para o sustento dos mesmos, ou seja, a mulher era para estar em casa a tomar conta dos filhos, numa prol que se queria farta.
No entanto, o universo das mulheres continua a ser pensado por homens, que não criaram a conciliação entre o trabalho e a família de molde a permitir, primeiro a integração do homem em pleno no lar, e segundo da mulher no emprego. Outro factor preponderante é a mudança brusca da organização do tecido económico português, com o desaparecimento da agricultura de moldes familiares, ou de subsistência, e com o aumento descabido do sector terciário em detrimento do sector primário e secundário, ou seja, da indústria e da agricultura. Com este aumento do sector do comércio e serviços, no nosso país, criou-se um sistema de horários flexíveis que leva, na prática, a trabalhadores e empresários ultrapassarem em muito os horários de trabalho estipulados pela lei. Depois os movimentos pendulares aumentaram com a saída das pessoas para subúrbios, lugares cada vez mais longe dos empregos, com o consequente aumento de tempo de viagem nesses movimentos pendulares. Ou seja, em concreto, a empresa sobrepôs-se à família com custos irreversíveis para os padrões sociais. Tudo isto não é um progresso civilizacional, mas um retrocesso com consequências graves para a sociedade, sobretudo para as crianças, que crescem sem referências familiares.
Talvez por isso se reveste de especial importância algumas conclusões da primeira Convenção Nacional da Família, organizada em Braga pela Universidade do Minho, onde Nuria Chinchila aponta algumas questões de enorme importância para as famílias, entre elas a necessidade de se repensar o universo e as políticas das empresas, nomeadamente em termos de flexibilização de horários, entre outros factores. É necessário que as empresas sejam feitas à medida do homem e da mulher. A directora do International Center of Work and Family diz que o trabalho é um meio para a família e não o contrário, observando ainda que a mulher entrou a cem por cento no mundo do trabalho, mas o homem não entrou a cem por cento na família.
Vai sendo tempo de observar políticas sociais e educativas que permitam à mulher assumir de pleno direito o papel que lhe cabe na sociedade, assim como os homens assumirem a responsabilidade de complementar, apoiar e ajudar a que essas políticas sejam devidamente aplicadas.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

NOSSA SENHORA DA NAZARÉ E O CONCELHO DE VILA FRANCA

Alhandra recebe dos primeiros círios
Alfredo Vieira
A descoberta de um livro sobre Nossa Senhora da Nazaré, organizada por Pedro Penteado, baseada na obra homónima do Padre Manuel de Brito Alão, com o título Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora da Nazaré, editado pela Colibri, em parceria com Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, deve-se à curiosidade que me despertou o círio e a devoção que as populações da maioria das freguesias do concelho de Mafra dedicam à imagem que, segundo a lenda, foi descoberta por Dom Fuas Roupinho, depois salvo «por obra da Divina Providência» de uma morte certa no promontório do Sítio, na Nazaré, numa das mais belas histórias do imaginário português.
Nesta obra encontrei referências a uma primeira fase do círio dedicado a Nossa Senhora da Nazaré que o ligam à população de Alhandra, quando as populações ainda se deslocavam ao Sítio em peregrinação. Mais tarde, e desperto pela curiosidade, acabo por encontrar outras referências à sua passagem pelo concelho de Vila Franca de Xira, nas invasões francesas, na obra Dom Fuas Roupinho e o Santuário da Nazaré, do Padre Mendes Boga.
Convém introduzir um pouco de como se iniciou este culto, que, segundo reza a lenda, tem perto de 1700 anos (lenda que acabou por inspirar poetas, prosadores e dramaturgos). Reportamo-nos ao ano de 361, no Império Romano, quando este vivia grandes convulsões sociais, sobretudo com a sangrenta perseguição que o Imperador Juliano movia aos cristãos, que tentavam passar a sua mensagem em Espanha, onde se refugiavam. Ciríaco, um monge grego, leva consigo a pequena imagem da Santa para a Palestina, que, segundo a tradição, foi esculpida por S. José, marido de Maria, Mãe de Jesus. Ciríaco acabou por confiar a imagem a S. Agostinho, bispo de Hipona, que faleceu em 430. A imagem acabou por chegar à Europa no século V, sendo venerada no mosteiro Cauliniano, onde permaneceu durante três séculos.
A monarquia visigótica vê-se destronada pela invasão das hostes islâmicas. Com medo das represálias o curador, D. Rodrigo, abandona o mosteiro e leva consigo a imagem de Nossa Senhora da Nazaré. Em Mérida entrega-a D. Rodrigo, que, vendo-se assediado pelos seguidores de Maomé, acaba por fugir e se isolar no Sítio, onde colocou a imagem numa galeria que cavou nas escarpas, para servir de abrigo. Neste local viveu escondida durante 469 anos.
O alcaide D. Fuas Roupinho, lugar tenente de D. Afonso Henriques, partiu de Porto de Mós para uma caçada. Nos bosques sobranceiros à Nazaré passa uma corça, Dom Fuas persegue-a até ao lugar onde se dá o milagre, o promontório do Sítio, que se encontrava envolto em neblina. Quando estava prestes a atingir o animal pressente o perigo, ao sentir-se no extremo de uma rocha que distava do mar mais de cem metros. O cavalo estancou e D. Fuas regressa para junto dos companheiros. Voltando ao lugar com os amigos encontra a gruta onde se abrigava a imagem.
Depois deste milagre seguem-se outros. É a partir deste encanto que se propaga pelo reino as maravilhas das obras milagreiras de Nossa Senhora da Nazaré, levando ao seu culto. Envolto nesta adoração cria-se um dos maiores templo marianos no Sítio da Nazaré.
Brito Alão, que segundo as crónicas da época viveu mais de oitenta anos, nasceu em 1570. Desde muito novo dedica-se ao culto e ao estudo da história de Nossa Senhora da Nazaré, com a conclusão de algumas obras. É baseado nestes estudos que nasce em 1628 a obra que nos referência, pela primeira e única vez, a ligação de Alhandra ao este culto mariano, em a Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora da Nazaré.
A obra aparece como uma visita guiada de três personagens pelo templo e pela adoração, o autor, o seu irmão, capitão Cristóvão Brito Alão, e um dos seus antigos amigos da Casa do Arcebispo de Braga. É durante esta narrativa, no capítulo XXXV, que se fala das Confrarias das Vilas de Porto de Mós, de Alcobaça e D’Alhandra.
Depois de apresentar os dois primeiros círios, que estavam presentes na data da narração no templo, perante os seus amigos, o Padre Alão fala um pouco do círio de Alhandra: «Este sírio pequeno é da Confraria da vila D’Alhandra, que são daqui treze léguas; vem o terceiro Domingo de Outubro, é a mais moderna, trás armação para toda a igreja, com missa cantada e pregação.» É este pequeno trecho da obra que liga a vila alhandrense à devoção de Nossa Senhora da Nazaré. Muito antes dos círios da Região Oeste (freguesias dos concelhos de Sintra, Mafra e Torres Vedras), Alhandra prestava culto à imagem de Nossa Senhora da Nazaré.
Mais tarde, em referência à saga das invasões francesas, o Padre Mendes Boga alude ao roubo e estropiação de obras de arte que durante séculos foram guardadas na igreja de Nossa Senhora da Nazaré, no Sítio, e à fuga do mordomo da Casa da Nazaré, António Carvalho, com a imagem para o lugar de Pendão, Belas, em casa de um criado de D. João VI, onde esteve até Março de 1811, de onde foi conduzida até Queluz, sendo mais tarde deslocada para a Igreja de Benfica. Quando os franceses são banidos do país, a imagem é levada para a Nazaré, onde o povo a esperava. Nesta sua deslocação passa por Vila Franca de Xira, entrado no seu santuário a 6 de Setembro de 1812.
Depois de uma vasta pesquisa pelos lugares de culto, actuais e outros já desaparecidos, não se encontrou nada que se refira ao culto de Nossa Senhora da Nazaré no concelho, muito menos em Alhandra, onde existem algumas capelas, ermidas e igrejas. Contudo, estas referências permitiram-me pensar que algo pudesse ligar as duas freguesias ribatejanas à devoção nazarena, mas nada as liga a uma das adorações mais antigas do país, um dos círios mais importantes, que congrega dezassete freguesias, e uma das mais belas lendas portuguesas.

Fontes:
Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora da Nazaré, de Manuel Brito Alão, edição de Manuel Penteado, Edições Colibri / Confraria de Nossa Senhora da Nazaré
D. Fuas Roupinho e o Santuário da Nazaré, Padre Mandes Boga, Porto-1973