terça-feira, 13 de novembro de 2007

A memória esquecida ou a identidade nacional

«Nós descobrimos o mundo.
Havemos também de descobrir Portugal.»
Salgado Zenha, citado por Eduardo Lourenço
em O Fascismo nunca Existiu
A propósito da leitura de dois textos de Maria de Lurdes Belchior, Sobre o Carácter Nacional ou Para uma «Explicação» de Portugal e Portugal: o Labirinto da Saudade – este último sobre a obra de Eduardo Lourenço O Labirinto da Saudade: Psicanálise Mítica do Destino Português –, ressalta-nos um conjunto de interrogações sobre o passado, o presente e o futuro de um país, que, no início da sua formação enquanto nação, teve um passado grandioso, mas que, lentamente, foi criando uma imagem de um povo céptico, indiferente e fatalista, como o definiu Almeida Faria no seu romance Lusitânia.
Somos a memória de um povo sentado na Ponta de Sagres que espera um D. Sebastião, como a imagem do Infante Dom Henrique fintando o azul do infinito onde o mar se confunde com o céu, ou em peregrinação a Fátima à espera da Divina Providência para poder resolver todos os nossos problemas, sejam eles de natureza económica, social ou até de circunstâncias temporais. Este tipo de pressupostos é a memória de um povo de um país subdesenvolvido do terceiro mundo e não de um Portugal que se quer moderno e europeu, mas com uma relação preferencial com a sua História.
Portugal tem uma identidade, é uma das nações mais antigas do Velho Continente, pegou em armas por diversas vezes para manter essa soberania e essa identidade. Mas, ao mesmo tempo, continuamos à procura dessa lusitaniadade, o orgulho de existirmos enquanto Povo com uma analogia própria, como a mensagem que nos foi deixada por Camões, Pessoa e tantos outros.
Bem ao contrário é a realidade. Procuramos para Portugal a importação de um modelo social desajustado, muitas das vezes baseados em imagens de sociedades, sem identidade cultural, plágios que tantas vezes nos são dados pelos dirigentes deste país de sol e de praias. Como escreveu Eduardo Lourenço em O Fascismo nunca Existiu, somos «um país fascinado em grau patológico pelo estrangeiro».
Somos um Povo sui generis, herdeiros de uma transcontinentalidade, que levou a língua portuguesa a todos os cantos do mundo, deixando-a espalhada pelos cinco continentes. Mas não transportámos uma cultura, unicamente levamos um padre e uma Bíblia, não a nossa preciosa identidade enquanto Povo.
Talvez seja tempo de rebuscarmos na ancestralidade portuguesa um fundamento, um princípio, onde possamos encontrar uma identidade cultural, de forma a colocarmo-nos de uma vez por todas um ponto final à desilusão nacional.
Lopes de Mendonça entendeu ser Portugal «um país quase imóvel no meio das suas revoluções», Fernando Pessoa, numa análise de 1915, retrata-nos «como gente incapaz de revoluções profundas; conformistas e passivos, falta-nos o golpe de asa que nos faria passar além» (Belchior, Maria de Lurdes, in Portugal: O Labirinto da Saudade, Revista de História Económica e Social), Miguel Torga em Diário, deixa a ideia que somos «Um país com oito séculos de existência que ainda não encontrou a sua identidade». Este é, de facto, o cerne da questão, será que somos condenados pelas fatalidades da vida, um país de homens sem utopias, perdidos no cepticismo ou teremos a coragem e a força para nos assumirmos enquanto povo deixando de ser os «cafres da Europa» como nos chamou o Padre António Vieira?
Continua a dizer-se que o problema nacional é um problema de cultura, então parece de fácil resolução.
Com o 25 de Abril de 1974 abriu-se uma porta de esperança para a criação de uma identidade portuguesa, de criação de um pais que se preparava para cumprir um ideal de quinhentos anos, onde um povo deixava de estar à espera de um rei que deveria de chegar por entre as brumas que resolve-se os nossos problemas. Contudo passados dois ou três anos essa esperança desvaneceu-se e voltámos à infinita resignação, ao espírito humilde e subserviente luso. Na década de oitenta, com a integração na comunidade europeia, esperámos que isso nos resolve-se todos os problemas, depois foi a moeda única… enfim, continuamos sentados ou em peregrinação à espera que algo mítico ou a Europa nos resolva os nossas dificuldades, num saudosismo que nos impede de construir o futuro. «Antigamente é que era bom», «no meu tempo…» são expressões comuns do nosso léxico que em nada nos prestigia, pelo contrário mostra a cobardia de avançarmos de forma adaptarmo-nos à vida moderna e aos desafios que o mundo nos coloca, enquanto povo, enquanto nação e enquanto responsáveis por muitos milhões de falantes da língua portuguesa.
Alfredo Vieira

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