segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Um rei sem trono

Portugal viveu vários períodos conturbados da sua história. Um deles foi a perda de independência para Filipe II de Castela, depois da estrondosa derrota em Alcácer-Quibir, uma aventura cara de Dom Sebastião, que deixou este país órfão, pobre e desprotegido. Durante este agitado período alguns homens se destacaram, outros nem tanto.
Um dos homens que mais se destacou durante esse período foi D. António de Portugal, Prior do Crato, a quem Urbano Tavares Rodrigues dedicou uma biografia ficcionada, Os Cadernos Secretos do Prior do Crato, editado pela Dom Quixote, onde pensamentos, revelações e a sua vida quotidiana são tratados pelo autor numa forma reimaginada, e por vezes inventada, dando um sabor diferente à história.
Amores proibidos, lutas heróicas, exílio em França e um trono efémero nos Açores ditam a longa vida deste homem, que abnegadamente dedicou a sua existência ao serviço de Portugal, apesar de ir sempre de derrota em derrota. Até porque não era fácil derrotar Castela naquela época, estávamos perante a Invencível Armada. Mas D. António era um homem perseverante, nunca se sentiu derrotado, «Das duas vertentes da vida, era seguramente a vesperal que em mim prevalecia, arrastando-me de desgraça em desgraça.» (pág. 66), e até ao final da sua vida procurou sempre a independência da sua pátria, porque, afinal «…sou, serei sempre no fundo irremediavelmente português.» (pág. 68). Contudo a sua grande mágoa era o exílio, apesar de todas mordomias que a coroa francesa dispensava ao herdeiro do trono de Portugal «Como é triste ser espoliado de todos os meus bens e estar agora, para conservar um tecto, na dependência dos que ascendem ao poder e não me conhecem a fundo.» (pág. 72)
De amores foi o Prior do Crato farto, mesmo durante o seu período eclesiástico. Muitas foram as mulheres da sua vida e vários os filhos que deixou – pelas suas contas dez, contudo alguns deveria desconhecer.
Apesar da forma sublime que Urbano Tavares Rodrigues escreve, na sua capacidade de escrita e criativa, pois conta com mais de noventa títulos (não sendo a nossa preocupação números, está muito perto dos cem, durante cinquenta e sete anos de vida literária), o Autor continua a ser mestre na arte de escrever sobre o amor. O amor carnal é descrito de forma sublime. Não roçando o grotesco, as personagens amam e sabem amar. Nesta forma de escrever sente-se como o escritor ama as mulheres e transporta esse sentimento para as suas personagens, tornando apetitosa a leitura das suas obras. D. António de Portugal amou todas as suas mulheres, um pouco como define Albert Camus no seu ensaio filosófico O Donjuanismo: «Não é por falta de amor que vai de mulher em mulher. […] Mas é porque ele as ama com idêntico entusiasmo e sempre com inteireza» (O Mito de Sísifo, pág. 76, ed. Livros do Brasil). Talvez esses grandes amores que o Prior do Crato, através de Urbano Tavares Rodrigues, recorda nesta obra, aliados ao grande amor pelo seu país, fossem a razão da sua longa existência.
Uma excelente obra, na linha de outras a que o Autor nos habituou, que nos dá a conhecer uma figura da História de Portugal, num país cheio de história, e abre uma nova faceta na escrita de Urbano Tavares Rodrigues, a ficção histórica, porque não se esconde o carácter ficcionado, mas, ao mesmo tempo, revela-se o enorme trabalho de pesquisa para se descobrir quem foi esta personagem enigmática.
Alfredo Vieira

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