sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Portugal e o Iberismo

Ao contrário do muito que se escreve e se diz os portugueses não são um povo latino, nem essa latinidade se estende à Península Ibérica. Muito depois das invasões romanas a Ibéria recebe o domínio visigodo e árabe, que deixou vestígios bens fortes e marcas profundas na cultura e no povo português. Entretanto, já outras influências se tinham interiorizado na génese portuguesa. O que podemos dizer é que somos um povo ibérico.
Fernando Pessoa nos seus escritos políticos deixou uma nota importante, que marca a diferença em relação à tese que apresenta a influência marcadamente latina nas civilizações hispânicas e que, mais tarde, erradamente, viriam a culminar com a denominação, ainda hoje utilizada, de América Latina aos povos civilizados pelos espanhóis e portugueses no Novo Mundo. A expressão «Nós Ibéricos, somos o cruzamento de duas civilizações – a romana e a árabe.» faz parte de um conjunto de fragmentos de escritos, incluídos em Ibéria, citados por José Fernando Tavares na sua obra Fernando Pessoa e as Estratégias da Razão Política (ed. Instituto Piaget, 1998), que manifesta a simpatia do Poeta por um estado ibérico que pudesse aglomerar vastas zonas da América do Sul e Central, assim como parte do Norte de África, como essência de um Quinto Império, mas que agora não vem ao caso, o importante é a fórmula cultural e as raízes que Pessoa encontrou para chegar a esses princípios.
Fernando Pessoa foi, talvez, o primeiro a considerar-nos um povo não latino, caracterizando a influência galaico-portuguesa na formação da Nação. Da latinidade ficou-nos a língua, apesar de muitas influências gregas e árabes na formação de palavras importantes, dai a criação de uma língua própria derivada que evoluiu para o Romance, português vulgar falado acentuadamente a partir do Século XIII. «Não há, na enorme diversidade de factores sociais incluída nos povos a que se convencionou chamar “latinos” traço comum, que não seja uma certa semelhança linguística – semelhança essa porém que resulta, não de uma fundamental e espontânea semelhança de características raciais, mas de uma comum origem dos restos degenerados do Império Romano.» (Ibidem). Com este princípio denominador que faz prevalecer a origem comum de uma «alma ibérica» Pessoa acaba por colocar a Ibéria nos cinco grupos civilizacionais.
Temos de partir do princípio que a Península Ibérica é uma miscegenação de vários povos, a sua cultura sofre influências clássicas gregas e latinas, mas, também, celtas e árabes – civilização que não se conseguiu impor a um povo que adoptou o cristianismo de pendor romano, o que poderá ditar que alguns pensadores se apeguem a concluir sobre a influência latina na origem da cultura portuguesa. Também pode induzir em erro a importação no Século XV da literatura italiana, através de Sá de Miranda (1481-1558), que faz a transição do medieval para as inovações italianas, trazendo um estilo novo, que acaba por sobrepor-se à influência trovadoresca galaico-portuguesa do início da nacionalidade e que deu origem às cantigas de amigo, de amor e de escárnio e maldizer, com vários expoentes em poetas galaico-portugueses, como foi o caso dos reis D. Afonso X de Castela e D. Dinis. Sá de Miranda acaba por trazer consigo as grandes influências que acabam por continuar o período dourado da literatura portuguesa com a introdução do Renascimento e o Maneirismo, que têm o seu expoente máximo em Luís de Camões e na obra maior em língua portuguesa, Os Lusíadas.
No entanto, as grandes influências nacionais vão mais além, muitas delas com um cunho próprio e isso prova-o o espírito empreendedor dos descobrimentos portugueses e a forma da organização do império, muito diferentes dos princípios de conquista romana e dos povos latinos. Não fomos um povo de conquista, mas de ocupação. Quando nos instalámos como força colonizadora e civilizadora, normalmente, fomos bens acolhidos pelos povos indígenas e dessa forma alicerçou-se um império que, com altos e baixos, durou bastos anos.
Apesar da visão ibérica de Fernando Pessoa, e apesar dos traços civilizacionais comuns, estes dois países sempre viveram de costas voltadas e a cultura portuguesa, assim como a cultura espanhola, não souberam criar influências e nunca existiu uma expressão cultural comum. Recebemos vários tipos de escolas, sem nunca criar um espaço ibérico, com um traço marcante da influência que recebemos dos nossos antepassados, por isso nunca poderemos ser considerados uma força civilizacional no acesso cultural da palavra, sempre transportámos uma religião importada, mas com acontecimentos próprios, e uma língua, que apesar de diversa, mantém traços comuns.
Apesar dos génios peninsulares, e vários são os exemplos de escolas literárias onde se criaram vários estilos, casos de Camões, Gil Vicente, Lope de Veja, Cervantes, na arquitectura com estilo manuelino, na escola espanhola de pintura com Murillo, Velaquez ou Ribera, existiam grandes vestígios de decadência de uma cultura comum. Antero de Quental frisou estes aspectos na sua dissertação Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, integrada no que ficou conhecido como as Conferências do Casino, que apesar de ser essencialmente política se pode adaptar à cultura dos dois países: «Deste mundo brilhante, criado pelo génio peninsular na sua livre expressão, passamos quase sem transição para um mundo escuro, inerte, pobre, ininteligente e meio desconhecido.» e continua: «Portugueses e Espanhóis vamos de século para século minguando em extensão e importância, até não sermos mais que duas sombras, duas nações espectros, no meio dos povos que nos rodeiam!…»
Hoje quer o espanhol, quer o português, são falados por muitos milhões de pessoas em todo o mundo, tornando-as nas línguas mais usadas no planeta, mas sem uma cultura dominante, mais cedo ou mais tarde, vai ser absorvida pelas culturas dominantes, como é o caso das anglo-saxónicas, que a pouco e pouco vão penetrando nas velhas culturas europeias, nomeadamente em Portugal e em Espanha.
Nunca nenhum povo desperdiçou tantas e tão boas oportunidades de criar uma cultura dominante que poderia ombrear com as maiores, tão boa foi a influência de poetas, pensadores e artistas criadores.
Alfredo Vieira

Nenhum comentário: