segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O culto e a cultura

Para além de templos, as igrejas, sés, catedrais ou simples ermidas são a memória viva de vários séculos de história do nosso país. Passaram por estes lugares gerações, são monumentos que apresentação várias épocas e formas arquitectónicas e culturais, por isso os templos religiosos, sobretudo os católicos, são parte da cultura portuguesa e património de todos nós, independentemente da nossa fé.
Sabemos que as igrejas são, acima de tudo, templos de fé, de oração e de meditação, no entanto, há algo mais para além do religioso e que se encontra guardado nesses lugares de culto, que não podem ser sonegados a todos os amantes da arte e do património português. É óbvio que deve ser respeitado quem busca esses locais para as suas manifestações de fé, quem os procura simplesmente pela arte e pelo legado religioso que as igrejas encerram, deve-o fazer em silêncio sem incomodar os crentes, o que não deve ser feito é exigir a quem procura o prazer das obras-primas que não o faça porque se está num espaço religioso.
Tudo isto vem a propósito do prefácio da obra Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora da Nazaré, da autoria de Manuel de Brito Alão, prefácio esse assinado por Dom Manuel Clemente, Bispo Auxiliar de Lisboa, que está encarregue da Região Pastoral do Oeste e professor da Universidade Católica Portuguesa, que diz a determinado passo: «Mas há outra maneira, porventura menos advertida, dum santuário deixar de sê-lo: é ir deslizando do culto para a cultura – no sentido pobre desta –, da devoção para a mera curiosidade, da peregrinação para o simples turismo. E isto acontece e muito, com melhor ou pior gosto.» Não se entende bem o que é este melhor ou pior gosto, no entanto, não podemos concordar com as afirmações produzidas, já que ao admirar estes espaços, que apesar de serem propriedade da igreja, são um legado público, já que as instâncias superiores da Igreja Católica não contribui para a construção ou preservação desses espaços. É o dinheiro do povo, dos crentes anónimos e de quem ama a cultura, que vai manter vivo as relíquias que as igrejas encerram.
Um dia ao perguntar ao Cardeal Patriarca de Lisboa Dom José Policarpo, a propósito da inauguração de uma igreja, quanto tinha o Patriarcado contribuído para erguer aquele monumento, a resposta foi dúbia e a conclusão simples: esta instituição superior da Igreja não contribui com nada para manter ou criar novos templos, é o dinheiro dos contribuintes e dos crentes que assegura esse espólio religioso e cultural, mas que no entender do prefaciador da obra em questão só serve para o culto, e as obras que elas encerram não devem ser apreciadas.
O que seria de Montmatre, da Notre Dame em Paris, da Capella Sistina em Roma ou da Catedral de San Marco em Veneza, se não fossem os seus visitantes, aqueles que procuram o trabalho desenvolvido pelos grandes mestres. Em Portugal também há grandes obras de arte nas nossas igrejas, o templo de Nossa Senhora da Nazaré é um bom exemplo, quer pela localização, quer pela sua beleza, quer ainda pelo místico que encerra. Cada pessoa pode procurá-la pelas várias razões e não se deve pedir para que se encerre os templos, para que estes sejam só objecto de devoção ou peregrinação.
O culto e a cultura estão ligados e coabitam há muitos séculos, nunca se colocou em questão uma coisa e a outra, sempre que me desloco a locais de culto, pelo interesse da arte sacra, nunca senti o mínimo sinal de falta de respeito por quem reza e presta devoção a Deus ou aos Santos.
Possivelmente muitas das ruínas de lugares de culto, alguns deles inclusivamente já desaparecidos e que se encontram unicamente nas memórias dos povos, são responsabilidade da Igreja, porque não olhou para eles a tempo ou não alertou para quem de direito do seu estado de conservação. A mim também me dói a alma quando alguma igreja desaparece, porque com ela desaparece a memória colectiva, não só daquela comunidade, como de um país.
Alfredo Vieira

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