sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Mário Máximo o segredo das utopias

Um dia recebi um livro em casa que me animou a atenção pela sua capa, que isto de apresentação das capas é muito importante, as editoras inglesas e americanas são peritas na estética das capas como forma de promoção dos livros, o título pouco me dizia, contudo comecei a lê-lo e de forma automática os espaços livres nas páginas encheram-se de apontamentos e anotações que me ocorriam sobre o que estava a decifrar. Desconhecia completamente o autor, nunca lera nada dele, mas o interesse que me despertou apontou-o logo como um dos melhores poetas contemporâneos que me fora dado a ler.
Trata-se de Oração Pagã. Assim entrei em contacto com a obra de Mário Máximo.
Durante um bom par de anos desconheci por completo o percurso literário de Mário Máximo, que, entretanto, publicara o seu romance A Ilha e um novo livro de poemas: Prima Materia. Um dia na redacção do Triângulo (Jornal Regional) foi-me proposto fazer uma entrevista ao homem que estava ligado ao CESDIS e a outras tertúlias culturais, assim como ao movimento político de Odivelas. Conheci-o pessoalmente no Odivelas Parque e no meio de todo aquele barulho conseguimos conversar. Falámos de utopias, da globalização, não desta globalização que conhecemos, mas da globalização dos povos, falámos de literatura, sobretudo de poesia. Nesse dia 10 de Janeiro de 2004 descobri que tínhamos algo em comum. Ao ler a introdução da Prima Materia fiquei a saber da sua paixão pelas viagens, nomeadamente por Paris, a minha capital de eleição, Santiago de Compostela, lugar místico, numa mistura de fé e paganismo, cidade de retiro e meditação. Podemos não estar de acordo sobre a serra da Lousã, talvez por não conhecer bem a serra, mas com certeza que não a vou trocar pela ilha de São Miguel, o paraíso em pleno Atlântico. Da Grécia e das suas ilhas fica o mitológico e o berço da civilização moderna.
Dai continuou a minha admiração pelo seu trabalho literário, que tenho a vindo a descobrir com agradável surpresa, até pelos momentos de prazer que as suas obras me proporcionam, já que vivo sobre a doce tirania das artes, do belo.
Noto na obra de Mário Máximo a sua paixão por ilhas, quer no seu romance quer agora em Diário de Uma Ilha de Distante. Esta sua paixão advém dos seus sonhos, ou melhor, das suas utopias. Este seu apego às utopias começam com Thomas Moore, da sua ilha e do navegante de origem portuguesa, que encontra o lugar, não direi idílico, mas ideal para viver: a Ilha da Utopia. De seguida leva-nos até A Nova Atlântida de Francis Bacon e recebe-nos no seu encontro com o vale de Xangri-La, em o Horizonte Perdido de James Hilton, esse sim lugar idílico, local mágico de eterna juventude e longa felicidade, que se perde quando se passa para este lado, o verdadeiro mundo, o real, onde já não existem utopias.
Mário Máximo, contudo, continua a acreditar nas utopias, apesar de estas serem inatingíveis para a maioria dos mortais, mas para os poetas essa é uma sua luta constante e heróica, uma luta consigo próprio, desesperante, por isso continua a crer no amor, marca que deixa sempre nas suas obras.
O penúltimo livro de Mário Máximo Hangar de Sonhos – Odes Brancas é uma obra de introspecção, onde os sonhos e as utopias formam o conjunto natural da obra poética. Um livro virando para o interior do poeta onde se faz uma reflexão sobre o seu íntimo, sobre as suas experiências, numa observação e descrição dos seus pensamentos e sentimentos numa forma própria de olhar o mundo. A sua nova obra, Diário de Uma Ilha Distante, apresenta-se, apesar de interior e espiritual, já com uma nova faceta que encontramos em obras anteriores como Hedonista – a sua primeira obra sobre o amor –, ou Prima Matéria, mais virada para o outro, para a atracção afectiva e física que um ser manifesta pelo outro. Esta é uma história de um imponderável amor.
Para o poeta é através da beleza feminina que o amor supremo toca o coração dos homens, tornando-o na forma mais encantadora que a natureza encontrou para a fidelidade dos amantes, através do reencontro do espírito que encarna na figura feminina. Segundo o autor é, e cito, um «amor que merece as estações, todas as estações, que lhe dão forma. Aliás, um amor não é mais do que a sua história. Se não houver história não há amor digno desse nome. Pela primeira vez, na minha obra, um livro de poemas é a história de um amor. Ou será a história da metáfora (da metafísica poética) de um amor? Talvez seja apenas um amor simbólico.»
Neste novo livro de Mário Máximo existe uma continuidade de poema para poema, como num romance, talvez seja mesmo um romance em forma de poética, onde um capítulo se segue a um novo capítulo, dando-lhe uma estrutura que permite um encadeamento entre a leitura e toda a viagem através do que o poeta elege como fonte de comunicação substancial, aquilo a que chama de veículo, um percurso sobre a poesia onde se chega a Creta, como destino de chegada e de partida. Pode ser outra ilha qualquer, um nome que o poeta guarda para si, mas que promete um dia revelar. «Ela é a Ilha Distante. Ou melhor, a Ilha Distante é o amor enquanto arquétipo
Creta é na mitologia grega a ilha dos amores impossíveis. Foi onde Pasífae amou o touro, transformando a ilha num lugar para sombrios ímpetos, mas ao mesmo tempo ofuscantemente luminosa, onde ao cair da noite se perde o domínio sobre nós próprios, dissipando-se os seus atributos pasifaicos. Apenas as cantigas de amor compreendem o estado de espírito que considera os sentimentos de uma forma subjectiva. No poema X esta expressão ganha a sua máxima dimensão: «À luz da vela ou da Lua a noite / ganha os contornos da paixão. /De onde veio este lugar ermo /onde nos ocultamos do resto do mundo? /A paixão é sempre um lugar ermo /pois apenas existem dois corpos /e dois corações. /Apenas...»
Neste regresso ao mote do amor retoma-se o tema da liberdade através da ascese amorosa, onde o seu núcleo é a mulher, mas onde os amantes se dão reciprocamente, sem recusar coisa nenhuma. «(...)Ofereces-me os seios e eu aceito-os. /Recebo-lhes a ansiedade /na minha boca. /Para que depois eles recebam a ansiedade / das minhas mãos.(…)» (LXIII, pág. 68).
Também este novo livro trás uma nova faceta de Mário Máximo, podemos encontrar uma forma poética onde a pureza cristalina sobressai. O poeta fica ligado à pureza da terra, mas onde o elemento marítimo atinge uma forma absoluta, o poder de encanto das águas. Há nesta obra um encontro da água com a terra onde o poder do fogo, o amor, está sempre presente. Escolhe Creta, ou outra ilha qualquer «ou a ilha onde todos os seus sonhos parecem / cristais verdadeiros.», por ser o lugar ideal para fazer a ligação absoluta entre os vários elementos tão queridos nas obras do autor, que evidenciou na sua introdução de Oração Pagã, o Sol, a Lua, o Ar, a Terra, a Água, o Fogo e a Poesia.
A poesia é para si uma forma de viagem, nela consegue percorrer caminhos, lugares, ilhas e cidades, onde de outra forma não chegaria. Através da metáfora conhece o mundo. Por isso, e cito, «com este Diário de Uma Ilha Distante criei mais um arquétipo dentro de mim. Através da poesia posso percorrer todos os caminhos e chegar a todos os lugares. Mesmo os lugares onde só existe o poder da metáfora!»
Para conhecer e compreender melhor a sua poesia é necessário ler o seu romance A Ilha, nele encontramos todas as respostas para as perguntas que nos assaltam, porque ali estão todos os seus livros. Para quem teve oportunidade de ler todas as suas obras poéticas e agora Diário de Uma Ilha Distante notem se estas frases retiradas do romance não correspondem, de facto, a esta afirmação:
«Se uma leitura de poesia fosse um hábito no seu quotidiano saberia entender o que é uma revelação. Assim como poderia entender o poder de uma metáfora.»
«A sociedade que deixámos perde, em cada dia que passa, a dimensão do romance. Esse romance global que é o caminho único para o tal fim único: o amor. A impoderabilidade está a ser afastada dos quotidianos das sociedades. E a previsibilidade, sua condição antípoda, líquida o romance que exista, não sendo permitido que romance algum comece.» (Pedro Amaro, personagem poeta)
«O nó que não se consegue encontrar é a utopia! Vivemos uma era sem utopia. E se dermos como certo, por definição, utopia é o inatingível, daremos também como certo que o limite que se tende, jamais se alcançando. Isto é, aquilo que relativiza o seu desespero, o meu desespero ou o desespero de qualquer mortal, e o torna suportável. A luz perene que torna todo o sofrimento plausível e heróico. O sentido das coisas.» (Pedro Amaro)
«A preocupação comum tinha um nome: arte. Enquanto que a preocupação dos outros homens resume-se a outra palavra de quatro letras, só uma delas, porém, sendo comum: vida.»
« (uma obra prima é) A interior imperfeição da alma do homem. E a verdadeira arte não é mais do que um hino de cada homem a essa condição.»
«O que os artistas procuram com a sua arte, seja ela qual for, é transcenderem-se e encontrarem o ponto da sua íntima resolução.»
Outra das características da obra de Mário Máximo é a perfeita análise psicológica do homem e da mulher, não só nas suas personagens, pois toda a sua obra reflecte o que é, apesar de ser o que não devia ser, o homem moderno.
Mas em Diário de Uma Ilha Distante, apesar de não abdicar dessas premissas, Mário retoma com alegria literária o tema do amor e da vida, para isso cerca-se de água como tanto gosta. Interroga-se e interroga, procurando respostas na poética e nas sensações, Afinal aquele amor, aquela mulher, nasce assim como se dada à luz em seus sonhos, conquanto «A paixão é sempre um lugar ermo / pois apenas existem dois corpos / e dois corações.», se nesse lugar ermo não existe a sua paixão, se ela não está pintada como em um quadro de Picasso, não existe a felicidade, ou seja a tela não está completa, mas se o amor está presente a obra de arte é toda da sua autoria. Eles são os autores de tudo.
Este novo livro obrigou-me a reler o seu romance e em ambos as analogias são constantes, os lugares, o mar, os segredos, as casas, o amor, a vida, tudo. Se não reparemos, em Diário de Uma Ilha Distante encontramos este poema «Agora resta-nos contornar a miragem / e descobrir o lugar / da ilha da nossa utopia.», no romance lesse «Enquanto houver uma Ilha dentro da Ilha, a utopia terá lugar!». Não será esta composição poética a continuação do amor elevado ao sublime entre Guilherme e Maria Miranda?
Para terminar resta sublinhar que nesta obra Mário Máximo homenageia Natália Correia, uma das suas poetisas de eleição e uma das grandes poetas nossas contemporâneas, apesar de já desaparecida.
Tudo aconteceu como se fosse
aquela ilha que Natália invocava.
“Foi em Creta”, podia eu dizer
como ela o disse um dia escrevendo-o
e foi. Para mim foi em Creta.

Foi em Creta que pude receber
o teu olhar de amêndoa.
O teu estremecer de pequeno peixe
fora de água.
Os teus murmúrios de paixão.

Foi em Creta, Natália.
Foi também nessa ilha de mítico recorte
que algo de sublime
me aconteceu.

Em Diário de Uma Ilha Distante Mário Máximo concretiza o seu saber poético, inspiração, como lhe chama, aliando a metáfora aos elementos naturais e ao amor. Por isso, nesta obra a poesia é a palavra aliada à estética, tornando-a numa forma absoluta de arte. Por isso, a sua grande riqueza é as palavras. Não é de ouro o silêncio. São de ouro as palavras que guarda nas páginas dos seus livros e que nos transmite.
Alfredo Vieira

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