terça-feira, 23 de setembro de 2008

NOVAS OPORTUNIDADES PERDIDAS

Recentemente tive algumas experiências com pessoas que obtêm escolaridade através do chamado programa Novas Oportunidades ou através dos cursos de formação profissional do IEFP.
Apesar de achar louvável que se erradique o analfabetismo, se aumente o grau de escolaridade, se dê mais competência e formação profissional, penso que esta não é a melhor solução, mantêm-se a iliteracia e as dificuldades de compreensão da língua materna.
Quer o programa Novas Oportunidades, quer a formação profissional, acaba por criar falsos índices de escolaridade, servem só para as estatísticas da União Europeia.
Como comecei por escrever ia dissertar sobre as experiências que tive com pessoas saídas desses programas, talvez seja essa a melhor forma de elucidar o que quero transmitir.
Uma pessoa apresentou-se a uma entrevista para emprego com um certificado de habilitações onde constava o nono ano de escolaridade e um curso de cozinheira. Quando li o currículo e a ficha de inscrição estes vinham carregados de erros ortográficos, frases mal construídas; numa ficha de leitura sobre uma receita de culinária a pessoa não entendia o que se pedia, nas explicações sobre a confecção do prato baralhou tudo, não sabia por onde começar, diga-se que a receita era complicada de executar, mas para uma pessoa com o nono ano e um curso de cozinheira deveria ser fácil. Convém dizer, para melhor compreensão, que a pessoa em questão tinha quarenta e cinco anos e quando iniciou a formação profissional as suas habilitações literárias eram o quarto ano concluído há cerca de trinta e cinco anos. É óbvio que não vou julgar a pessoa, até porque não tenho esse direito, nem a condenar por o Estado lhe dar um certificado de habilitações que não corresponde à verdade. Como profissional a pessoa era auto-suficiente, devidamente acompanhada por uma cozinheira com experiência na empresa, mostra-se empenhada, com regularidade pontual e uma evolução profissional muito boa, até porque sabe ser esta uma das últimas oportunidades de integrar o mundo do trabalho.
Esta pessoa acabou por me demonstrar o artificialismo que o Estado Português usa para mostrar níveis de escolaridade, ou melhor, de conhecimentos que não existem no país.
Depreende-se por habilitações os índices de estudo, conhecimento e literacia, por isso se chamam habilitações literárias, e não as competências profissionais; para julgar e compensar os trabalhadores existem as carreiras profissionais.
De forma nenhuma sou contra estes cursos de formação profissional, bem pelo contrário, sou contra que eles servirem só para as estatísticas. Para isso dever-se-ia acompanhar essas acções com aulas complementares de português, línguas estrangeiras, acção cívica e uma ou outra disciplina escolar correspondente à área de formação.
Está-se a criar artificialismos que mais tarde poderemos pagar caro. Os estudantes, que têm de passar nove e dez horas nas escolas, onde os pais têm de pagar pelos livros, pelo material escolar, pelos transportes e pelas refeições, acabam por abandonar a escola e esperam por uma dessas acções de formação, até porque auferem subsídios de toda a ordem e o trabalho intelectual não é grande.
Em conclusão: estas iniciativas de formação contínua são de aplaudir, mas devem ser acompanhadas com outras disciplinas que não só as profissionais; a integração neste universo de ensino deve servir para pessoas que estão desempregadas, ou com dificuldades de aprendizagem e integração na escola tradicional. Perante uma avaliação idónea, onde os formandos tenham, de facto, aproveitamento, conheçam pelo menos a língua portuguesa, então sim atribuir-se um certificado de habilitações. Para as pessoas que terminam estes cursos profissionais, nos moldes actuais, entregue-se um diploma que ateste as suas capacidades para exercer a profissão.
Alfredo Vieira

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